“The rest is noise” – An interview with the portuguese writer Joel Neto

After living in Lisbon for 20 years, writer Joel Neto decided to move back to his home, Terceira Island in the Azores, where he has lived since 2012. He won the Grande Prémio de Literatura Biográfica da Associação Portuguesa de Escritores 2019 with the book A Vida no Campo, a diary where he describes his surroundings - such as nature and the relationship with his neighbours. Inspired by his diary, which already has a second volume, entitled A Vida no Campo: Os Anos da Maturidade, we talked about the importance of the small things in the world and about what makes us always want more. 

© Joel Neto

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Catarina Gonçalves Pereira: After 20 years in Lisbon you decided to go back to Lugar dos Dois Caminhos, in the parish of Terra Chã, on Terceira Island, Azores. What made you go back to your origins? 

Joel Nato: Whatever the city had to offer me was no longer enough. Note that I am answering from the city, where I returned a few days ago for the first time since the beginning of the pandemic. I've been here for ten days, and although I still have a lot to do here, I've had enough. Smoke from the exhaust blackens the marbles of the balcony. The neighbour on the third floor passes me in the hallway and doesn't say good morning. Marta's car breaks down with the potholes on Estrada de Benfica. People have the affected speech of those who badly need - all of them - to look like other people than the ones they are... It is not a portrait of the city: it is a portrait of how I see the city. I love it very much. Lisbon is my city. People from my parish say they go to the city when they go to Angra do Heroísmo, I say I go to the city when I come to Lisbon. But a little bit at a time. Four or five days every three months - that's my ideal.

C.G.P.: When you returned, what differences did you find in Lugar dos Dois Caminhos?

J.N.: Differences in relation to what I found when I went there on vacation, and even after I bought a vacation home there, which today is my everyday home - a few. Differences in relation to what I had left when I left for Lisbon twenty years before - a lot. But I know it's all my own perception. Neither were the Azores so old when I left, nor are they today as modern as they seem. They are provincial, but also bizarre and surprising. And they are above all open to the world.

C.G.P.: The book A Vida no Campo is a diary in which you describe your surroundings, mostly on the island, and talk about the simplest everyday things. What led you to report and highlight these moments, people and episodes in the book?

J.N.: Love. Fascination. Discovery. The impulse to embrace it and give it to be read. And to transform it too - there is no diary without fiction.

C.G.P.: Should nature – life in the countryside and what it gives – be in itself enough to satisfy a human being? 

J.N.: I wouldn’t say that. I'm not a proselytizer. For me, that's almost enough. But I said I needed to come to Lisbon once in a while, didn't I? And, at times, to get on a plane and find myself on the other side of the planet - I didn't say that, did I? So, even for me it's absolutely not enough. And yet, I came back to that world nine years ago. I was only going for four or five years to write a book, and today I am almost certain that I will never leave again. But if I have to leave, I will.

© Joel Neto

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C.G.P.: The world we live in is full of attractions that make us want to buy/possess/exhibit objects or products. What importance and role do the simple things in life (like the episodes, plants, animals, and people you report in the book) have or should have nowadays?

J.N.: Also when it comes to this I will refuse to proselytize and moralize. But I will say this: curiosity makes the difference; and willingness. On the island, there is almost nothing to buy. I almost only spend money in restaurants, which unfortunately I can't do without. Meanwhile, I come to Lisbon and I don't feel like buying anything either. I bring a list of urgent things, buy about 70% of them and leave. And not only that: I watch very little television - very little there, none here. I know less and less about the names of Hollywood actors and actresses. I listen to the radio all day long, but I no longer know a single song from Rádio Comercial - still the most listened to radio station, right? I no longer feel like publishing 'posts' on Facebook, which I have used with such eagerness for years - I'll post something and I can't even think of what might be of real interest. I like mostly to be with Marta, with my dogs, with my friends. Reading my books, tending my roses, lifting my weights, eating my alcatras*. It is curiosity in its purest sense. The rest is noise. 

*Alcatras is a traditional dish from Ilha Terceira, Azores.

C.G.P.: How does Joel relate to the issue of consumerism? Is it also something that attracts you?

J.N.: Besides what I have already said, I would add this: I want a life that is more and more serene, more and more cheap, more and more free. These are conditions that depend on each other and only altogether can produce a smarter life.

C.G.P.: Nowadays, for many people, the very act of buying brings, a kind of happiness. Do you think it is possible that this kind of feeling can be transferred precisely to the relationship with the people/animals/nature around us? 

J.N.: No. It is another feeling. Feelings don't replace each other - at best they disguise each other.

C.G.P.: With unbridled consumption, there is then a whole impact on the environment - on the little things. Do you look with concern at the changes that are taking place in terms of climate, and in particular the possibility that the place where you live will change? 

J.N.: Absolutely. We have just seen it, with this heat wave in the East Pacific. 50 degrees Celsius in southwestern Canada, where in a few months it will be -15 degrees Celsius. More than 750 people died of sudden death. Agriculture and landscape decimated. It was there, but it could have been here. Sometimes I wonder what I am building a garden for. It only takes two days like this for everything to die. I'm not sure I would survive it myself - the death of my garden, even more than the heat.

C.G.P.: If you had to give one piece of advice to anyone who is trying to disconnect from consumerism and connect with nature, what would you say?

J.N.: Don't live for Instagram. Nor for the approval of others.

Joel Neto

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“O resto é ruído”: Uma entrevista com o escritor português Joel Neto

Depois de 20 anos a viver em Lisboa, o escritor português Joel Neto decidiu mudar-se para a sua terra natal, a ilha Terceira, Açores, onde vive desde 2012. Venceu o Grande Prémio de Literatura Biográfica da Associação Portuguesa de Escritores 2019 com o livro A Vida no Campo, um diário onde descreve aquilo que o rodeia - como a natureza e as relações entre os vizinhos. Inspirados por este diário, que já tem um segundo volume, intitulado A Vida no Campo: Os Anos da Maturidade, conversámos sobre a importância das pequenas coisas no mundo e sobre o que nos faz querer sempre mais e mais.

© Joel Neto

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Catarina Gonçalves Pereira: Depois de 20 anos em Lisboa decidiu voltar para o lugar dos Dois Caminhos, freguesia da Terra Chã, na Ilha Terceira, Açores. O que o fez voltar às origens? 

Joel Neto: O que quer que a cidade tivesse para me oferecer, já não era suficiente. Note que respondo da cidade, onde regressei há dias pela primeira vez desde o início da pandemia. Estou aqui há dez dias e, embora ainda tenha muito o que fazer aqui, já me chega. O fumo dos escapes enegrece os mármores da varanda. O vizinho do terceiro andar passa por mim no corredor e não me dá bom-dia. O Smart da Marta parte-se todo com os buracos da Estrada de Benfica. As pessoas têm os falares afectados de quem precisa muito – todas elas – de parecer outras pessoas que não aquela que são... Não é um retrato da cidade: é um retrato de como eu vejo a cidade. Amo-a muito. Lisboa é a minha cidade. As pessoas da minha freguesia dizem que vão à cidade quando vão a Angra do Heroísmo, eu digo que vou à cidade quando venho a Lisboa. Mas um bocadinho de cada vez. Quatro ou cinco dias de três em três meses – é o meu ideal.

C.G.P.: Quando regressou, que diferenças encontrou no lugar dos Dois Caminhos?

J.N.: Diferenças em relação ao que eu encontrava quando ia lá de férias, e inclusive depois de ter comprado lá uma casa de férias, hoje a minha casa do dia-a-dia, algumas. Diferenças em relação ao que deixara ao partir para Lisboa, vinte anos antes, muitas. Mas eu sei que está tudo na percepção. Nem os Açores eram assim tão antigos quando me vim embora, nem são hoje tão modernos como parecem. São provincianos, mas também curiosos. E são sobretudo abertos ao mundo.

C.G.P.: O livro “A Vida no Campo” é um diário onde vai descrevendo o que o rodeia, maioritariamente na ilha, e fala das coisas mais simples do dia-a-dia. O que é que o levou a relatar e a dar destaque a estes momentos, pessoas, episódios, em livro?

J.N.: O amor. O fascínio. A descoberta. O impulso de abarcá-lo e dá-lo a ler. E de transformá-lo também – não há diário sem ficção.

C.G.P.: A natureza, a vida no campo e aquilo que ele dá deveria ser, em si só, suficiente para satisfazer o ser humano? 

J.N.: Era o que me faltava eu dizer isso. Não sou proselitista. Para mim, quase que chega. Mas eu disse que precisava de vir a Lisboa de vez em quando, não disse? E, a espaços, de pegar num avião e dar por mim do outro lado do planeta – isso não disse, pois não? Portanto, nem para mim chega absolutamente. E, no entanto, voltei a esse mundo há nove anos. Ia por quatro ou cinco anos apenas, para escrever um livro, e hoje estou quase certo de que não volto a partir. Mas, se tiver de partir, partirei.

© Joel Neto

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C.G.P.: O mundo em que vivemos está repleto de atracções que nos levam a querer comprar/possuir/exibir objectos ou produtos. Qual a importância e o papel que as simples coisas da vida (como os episódios, plantas, animais e pessoas que relata no livro) têm ou devem ter nos dias de hoje?

J.N.: Também quando a isso vou recusar o proselitismo, e o moralismo, já agora. Mas digo isto: a curiosidade faz a diferença. E a vontade. Na ilha, quase não há o que comprar. Quase só gasto dinheiro em restaurantes, de que felizmente posso não me dispensar. Entretanto, venho a Lisboa e não me apetece comprar nada também. Trago uma lista de coisas urgentes, compro uns 70% e vou-me embora. E não só: vejo pouca televisão – muito pouca lá, nenhuma aqui. Sei cada vez menos os nomes dos actores e das actrizes de Hollywood. Ouço rádio o dia inteiro, mas não já conheço uma só canção da Rádio Comercial - ainda é a rádio com mais audiência, certo? Já não me apetece publicar ‘posts’ no Facebook, que usei com tanto afã durante anos – vou publicar alguma coisa e nem me ocorre o que possa ter realmente interesse. Gosto sobretudo de estar com a Marta, com os meus cães, com os meus amigos. De ler os meus livros, de cuidar das minhas rosas, de levantar os meus pesos, de comer as minhas alcatras. É a curiosidade no seu sentido mais puro. O resto é ruído. 

C.G.P.: Como é que o Joel se relaciona com a questão do consumismo? É também algo que o atrai?

J.N.: Além do que já disse, acrescento isto: quero uma vida cada vez mais serena, cada vez mais barata, cada vez mais livre. São condições que dependem umas das outras e só todas juntas podem produzir uma vida mais inteligente.

C.G.P.: Hoje em dia o próprio acto de comprar traz, para muita gente, uma espécie de felicidade. Acha que é possível este tipo de sentimento ser transferido precisamente para a relação com as pessoas/animais/natureza que nos rodeiam? 

J.N.: Não. É outro sentimento. Os sentimentos não se substituem uns aos outros – na melhor das hipóteses, disfarçam-se uns aos outros.

C.G.P.: Com o consumo desenfreado, há depois todo um impacto no ambiente - nas tais pequenas coisas. Olha com preocupação para as mudanças que se estão a dar em termos climatéricos, e em especial com a possibilidade de o sítio onde vive vir a sofrer alterações? 

J.N.: Sem dúvida. Ainda agora o vimos, com esta vaga de calor no Leste do Pacífico. 50º C no sudoeste do Canadá, onde dentro de meses estarão -15º C. Mais de 750 pessoas falecidas de morte súbita. Agricultura e paisagem dizimadas. Foi lá, mas podia ter sido aqui. Às vezes, pergunto-me para que estou eu a construir um jardim. Bastam dois dias assim para que morra tudo. Não estou certo de que eu próprio sobrevivesse – à morte do meu jardim, mais até do que ao calor.

C.G.P.: Se tivesse de dar um conselho a quem esteja a tentar desligar-se do consumismo e conectar-se com a natureza, o que diria?

J.N.: Não vivas para o Instagram. Nem para a aprovação do outro.

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References and further reading

  • Book: A Vida no Campo by Joel Neto. Publisher: Marcador, 2016

  • Website of the writer

  • His Instagram


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